Carlos Antunes (autor)
No exercício da minha actividade profissional (Inspecção Geral da Educação), visitei centenas de escolas, fundamentalmente do 2º, 3ºciclo, secundário e superior, a minha reacção era sempre a mesma, a alegria e energia que aí encontrava eram contagiantes, numa situação ou noutra, os problemas existentes facilmente eram ultrapassados pela esperança no amanhã.
Em determinado momento e também no desempenho de função (Deputado) para que fui eleito, percorri algumas dezenas de centros de dia, lares, centros de cuidados paliativos e hospitais, de onde saía sempre psicologicamente abatido, pese as boas condições oferecidas aos utentes, em termos de instalações, de recursos humanos e de apoio. E aqui presto a minha humilde e sincera homenagem a todas as instituições que se disponibilizam para esse tipo de apoio, com destaque para a Igreja e misericórdias, com uma palavra de apreço para o apoio voluntário de homens e mulheres de coração grande.
Mas, no decorrer das visitas, surgia-me sempre a mesma reflexão: - Há dez, quinze ou vinte anos, qualquer uma destas pessoas era pelo menos como eu – tinham esperança.
O bem-estar e, provavelmente para muitos, as condições e qualidade oferecidas sobrepõem-se ao que usufruíram durante uma vida de trabalho e de sacrifício em que criaram os filhos e contribuíram para a riqueza do País.
Hoje, é público os milhares de idosos que vivem em “puro” isolamento da sociedade, foram abandonados pela família, ou auto-afastaram-se, sem que ninguém se preocupe, sendo alguns notícia, após a morte, passadas horas, dias ou meses, esquecendo o mais que certo sofrimento que antecedeu o definhar.
Arrepia pensar na dor e na miséria que a sociedade em que vivemos tolera com frieza. Não sei se foram bons contribuintes, se trabalharam 10, 20, 30 ou 50 anos, que religião professaram, se foram “boas ou más” pessoas. Há uma coisa que eu não posso esquecer: são seres humanos, são homens e mulheres que têm o direito a uma vida com dignidade.
Sei da dificuldade em arranjar lugar para um “idoso” num lar, porque não há vaga ou só aceitam desde que o rendimento atinja determinado montante.
Não é para muitos fácil compatibilizar a vida de trabalho com o apoio a dar aos familiares, carecidos de aconchego, mas também é público, as condições de afastamento, por mero comodismo ou egoísmo.
Uma sociedade que não tem memória não tem futuro. Apagar o passado que cada um carrega é rasgar a folha do livro, onde consta o testemunho de uma experiência de vida. E mais grave é sonegar muitas vezes os afectos que alimentam a sua existência.
A geração de hoje, que faz parte do grupo em análise, foi aquela que há 25-35 anos soube dar resposta na construção de novas escolas, para que os seus filhos pudessem cumprir a escolaridade obrigatória e procurar a sua formação. Souberam criar condições, de que elas próprias não beneficiaram, e tristemente no fim da “caminhada” não são recompensadas desse e outros esforços.
É urgente reorganizar o País, mas não é menos urgente repensar e reformular o dito Estado Social em que abusivamente muitos se “divertem” a procurar colher dividendos, à custa, muitas vezes, de quem está demasiado debilitado para manifestar o seu descontentamento. Sim, porque o Estado Social não é só os euros, mas também os afectos, o amor, a família, os valores que devem ser considerados como pilares de uma sociedade que se deseja evoluída. Isto exige disponibilidade mental e política para repensar a sociedade que queremos, a qualidade de vida que desejamos, a felicidade a que temos direito e, provavelmente com menos despesa, é uma questão de regime, de políticas e de valores.
Por Santa Marta de Portuzelo