Por Luis Gonzaga
Quando há pouco mais de uma
centena de anos, sensivelmente até finais do século XIX e quando o Rio Lima
corria em direcção ao mar, a bem dizer livre, virgem e selvagem, riquíssimo em
todas as suas formas, quer na flora, onde abundavam os amieiros, salgueiros,
carvalhos e castanheiros, quer na fauna terrestre e aquática, onde cresciam e
multiplicavam, por reduzidíssima acção ou intervenção humana, várias espécies
de patos selvagens, gansos, lontras, abetardas, perdizes, lebres e coelhos, e
na água, onde se reproduziam inúmeras espécies de peixes, com destaque para os
salmões, sáveis, lampreias, robalos, tainhas, barbos, trutas e muitas outras
espécies, o Rio Lima não era mais senão uma dádiva da natureza, oferecendo ao
homem belas imagens e paisagens paradisíacas diversas, para a sua observação e
contemplação. Por essas características, era constantemente visitado, não só
nas horas de lazer, mas também por aqueles que nele buscavam a paz de espírito
e ainda a recuperação física e mental, perdidas nas labutas do dia-a-dia, não
esquecendo as milhares de juras de amor eterno, efectuadas pelos casais de
namorados apaixonados, atraídos pelo encanto e feitiço irradiados pelo rio e
suas margens, testemunhas de tais prometimentos. Desde a sua nascente até à
Foz, em Viana do Castelo, foi fonte de inspiração de vários poetas, sendo, por
isso, e, no nosso ponto de vista, um dever e um direito obrigatórios invocá-los
no decorrer de mais uma festa religiosa e profana da nossa freguesia, a
realizar nos princípios de Agosto do ano em curso. Foi nosso critério recordar
três poetas, representativos das vilas e cidades banhadas pelo Rio Lima ao
longo do percurso em território português.
Diogo Bernardes, grande vulto da poesia lírica
portuguesa do séc. XVI, contemporâneo e moço de câmara do Rei D. Sebastião,
acompanhou o jovem Rei na aventura por terras marroquinas tendo ficado
prisioneiro, por alguns anos, após a trágica batalha de Alcácer-Quibir, em
1578, período que aproveitou para escrever alguns dos melhores versos sobre o
seu Lima. Após a prisão, regressou a Ponte da Barca, onde permaneceu poucos
anos antes da morte, mas os bastantes para continuar a sua obra poética, no
mais puro lirismo da época, parte da qual voltando a ter o Lima como referência
poética. Relacionou-se com António Ferreira, Sá de Miranda e Pêro Andrade
Caminha, tendo partilhado com eles as concepções clássicas, como a fidelidade
aos modelos greco-latinos e renascentistas espanhóis e italianos.
Meu pátrio Lima, saudoso e brando,
Como não sentirá quem amor sente,
Que partes deste vale descontente,
Donde também me parte suspirando?
Se tu, que livre vás, vás murmurando,
Que farei eu, cativo, estando ausente?
Onde descansarei de dor presente
Que tu descansarás no mar entrando?
Se te não queres consolar comigo,
Ou pede ao Céu que nossa dor nos cure
Ou que trespasse em mim tua tristeza.
Eu só por ambos chore, eu só murmure,
Que d/um
fado cruel o curso sigo
Não tu, que segues tua natureza.
António Joaquim da Costa Feijó, nascido em Ponte de
Lima, em 1 de Junho de 1859, representou o nosso País durante muitos anos, ao
exercer os cargos de Cônsul, em Pernambuco e Rio Grande do Sul, no Brasil, e
ainda na Suécia, Noruega e Dinamarca. Como poeta é habitualmente ligado ao
Parnasianismo, corrente fiel aos ideais da beleza, antropocentrismo e ao
equilíbrio e harmonia universais.
PÁLIDA E LOIRA
Morreu. Deitada no caixão estreito,
Pálida e loira, muito loira e fria
O seu lábio tristíssimo sorria
Como num sonho virginal desfeito.
Lírio que murcha ao despertar do dia,
Foi descansar no derradeiro leito,
As mãos de neve erguidas sobre o peito
Pálida e loira, muito loira e fria
Tinha a cor da rainha das baladas
E das Monjas antigas maceradas,
No pequenino esquife em que dormia...
Levou-a a morte na sua graça adunca!
E eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
Pálida e loira, muito loira e fria...
Carlos Sousa Lobo de Oliveira, nascido em Santa Marta
de Portuzelo, secretário que foi do Supremo Tribunal Administrativo, irmão da
Dona Cacilda Sousa Lobo de Oliveira e cunhado de Aarão Rodrigues de Carvalho,
ambos saudosos e respeitáveis professores primários, responsáveis pelo ensino
de cerca de quatro gerações de santamartenses, padrinho que foi do casamento do
autor deste singelo documento e autor de muitos poemas, dos quais vou destacar
um, extraído do livro "ALEGRE MELANCOLIA". Com todo o respeito,
consideração e amizade, dedico esta pequena e bem merecida homenagem a
todos os santamartenses em geral, e em particular a seus filhos Rui e Luís, a
sua nora Maria dos Anjos e filhos e a seus sobrinhos José Manuel, Maria Judite,
Teotónio e José Carlos, todos amigos de infância.
Do Lima me parti naquele tempo,
Em que saudade, na manhã em flor
Se dilui e nos verdes campos sonha
O esquecer-se da mágoa que há-de vir...
Outros rios passaram, outras margens
Ouviram o canto do rouxinol,
Outros desenhos de águas se gravaram
Na memória - tecido de mim mesmo...
Ó salgueirais do Lima e de Bernardes,
Ó branda queixa de Feijó, tão longe,
Onde nem a Primavera nem Outono...
Mas o rio está perto e mais a luz
Do seu corpo tão brando que se espraia
No meu sonhar-me...Para além de mim,
Rio de sonho, te levantas fluido,
Voo de azul por sobre margens verdes...
Tristezas tão humanas e terrenas
Me apartaram de ti, de tuas águas...
Os risos e as saudades e os luares,
As noites e as manhãs, o céu em fogo,
Com o fulgor de estrelas, tardes lentas
No silêncio parado do crepúsculo,
Acre perfume das marés, o vento
Que vem cheio de murmúrias canções
-tudo fechei em mim - e não partiram.
Texto escrito em:
Santa Marta de Portuzelo, 6 de Agosto de 2008.
Luiz Gonzaga Parente Ribeiro Moreira